domingo, 20 de março de 2011

Baloiçar para a frente e para trás!


Não há uma ponta de luz a rasgar a vidraça da janela e a iluminar o quarto e as restantes divisões da casa; o céu está pintado de um cinza carregado, que não dá espaço para que outra cor rompa ummínimo pedacinho e dê um ar da sua graça. Está um dia triste, tão triste como aquelas flores murchas dentro do vaso esverdeado, estilhaçado pela ausência de presença; está um dia chuvoso, um mau dia para vir colher os jasmins do jardim, para ver se dou uma pitada de alegria a esta casa, que mais parece uma imagem borrada de solidão. É, está um mau dia para vir para o jardim colher flores, mas eu vim, só não foi para as colher!
A chuva não dá tréguas e o vento que a acompanha é tão gélido que me congela o sangue e me arrefece o coração, mas abro na mesma a porta e desloco-me em direcção aos tons verdes, amarelos, laranjas, vermelhos, brancos, que colorem o jardim; o baloiço que se encontra ao centro balança com tanta rapidez, que me dá a sensação de que se irá desprender a qualquer momento e irá tocar o céu, que parece ter fechado a cortina, privando-nos de ver o outro mundo. Pé ante pé, vou cortando o vento e sento-me no baloiço, a chuva parece acalmar, assim como o vento, e no ar fica o cheirocaracteristico a terra molhada que eu tanto gosto de sentir. Fecho os olhos e encosto a cabeça a uma das cordas, o meu rosto sente a correr-lhe em cima umas pequenas gotas perdidas, fruto deste tempo. A paginas tantas, já tenho a cara tão molhada e tão fria que nem sinto a chuva a cair-me sobre o rosto, apesar de saber que ainda está a chover.
Balanço para a frente, balanço para trás, em círculos ou numa linha recta, continuo sentada nesse pedaço de madeira, amparada pelas duas cordas que o suportam, entrelaçadas pelas minhas mãos. Cuidadosamente, fui deixando o meu corpo descair, ficando com os cabelos a tocar na relva, tirando-lhe as pequenas gotas de chuva. Naquele momento, foi como se todos os problemas, todas as preocupações, tudo, saísse de dentro de mim, sentindo-me livre, leve e tranquila; parecia que me tiravam um peso de mil toneladas dos ombros. Estranhamente, esta sensação de leveza fazia-me confusão, mas também me fazia sentir bem e de energias renovadas.
De volta à posição inicial, abri os olhos para ver o mundo em meu redor, já não tinha a noção de espaço e tempo, já não sabia distinguir se chovia ou não, o meu rosto continuava gelado e o meu corpo ainda não tinha aquecido. Com pouco tempo de espaço entre cada fracção de segundo, o vento ganhava corpo, arrepiava-me e fazia com que o meu coração se encolhesse mais um pouco. Em meu redor, estava tudo tão igual, mas ao mesmo tempo tão diferente: geograficamente falando, os espaços continuavam com as mesmas limitações, nada tinha saído do lugar; estava tudo exactamente igual, repito. Mas parecia que se tinha aberto um enorme buraco na terra e este sugava todos os sons, desde os mais suaves aos mais estridentes; não havia um único ruído, uma única movimentação, nem sentia o coração bater; muito menos havia sensações, sentidos, apenas víamos, tocávamos nos objectos, mas não havia qualquer tipo de reacção, sentimento. O nada, o vazio, tinha-se apoderado do mundo, devorando-o e retirando-lhe aquilo que o faz viver.
“Tu és um mundo com mundos por dentro” e esses mundos que nos consomem, que representam cada pedaço nosso, vão esmorecendo um por um. Em diferentes compassos sentia que se abria mais uma porta dentro de mim, ligando um mundo ao outro, isso fazia com que eu me fosse desligando, fosse perdendo a força e aquilo que eu sou; tinha a mesma sensação de quando desligam a ficha da tomada, ficando tudo estático, e quando digo tudo é mesmo tudo. O processo repetia-se, as forças de cada mundo uniam-se num único, e naquele momento, nesse exacto momento, senti-me fresca, como a pequena gota de chuva que acabou de me cair da testa; nova, como toda esta experiência; mas inútil, tão vazia como aquilo que vejo em meu redor. Apesar de saber que nada tinha saído do sitio, e que dentro de mim estava tudo exactamente igual, era como se me tivesse arrancado aquilo que me faz ser eu, que me faz viver e querer viver. Em contrapartida, soube-me bem não sentir nada, continuar sentada no baloiço, balançando para a frente e para trás; em circulo ou em linha recta. Por uns instantes quis permanecer assim; quis que fosse sempre assim.
Voltei a encostar a cabeça a uma das cordas que suporta o baloiço, apercebendo-me que, lentamente, esse vazio, esse nada, estava cada vez mais pequeno. Aquilo que ele engoliu, voltava a despejar no mundo e nos meus mundos, assim como nos mundos de todos os outros. Agora sim, estava tudo exactamente igual! Parei o baloiço, desprendi as minhas mãos e levantei-me; colhi dois jasmins, os únicos que continuavam brilhantes, sem qualquer dano causado por este mau tempo. Dirigi-me aos degraus que dão entrada na casa, mal entrei o calor reconfortou cada pedaço do meu corpo e desencolheu-me o coração. Olhei cá para fora, o baloiço recomeçou a baloiçar. Não sei qual dos meus mundos se desprendeu de mim e permaneceu naquela tábua de madeira, mas estava lá e tenho quase a certeza que permanece com a mesma sensação de vazio; sensação do nada que é tudo. Desviei o olhar, um dia sei que vou olhar para trás e vou recordar este dia, e vou perceber que tenho de dar mais valor ao agora, não voltar constantemente ao passado, nem ansiar pelo futuro. Sentei-me no parapeito de uma das janelas da marquise, a que me permite visualizar o baloiço, a chuva ainda corre lá fora e eu ainda estou sentada no baloiço, com as minhas mãos entrelaçadas às cordas, a minha cabeça encostada a uma delas, baloiçando para a frente e para trás; em círculo ou em linha recta!

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