domingo, 20 de março de 2011

Criaturas da Noite.


Esta noite vou querer sair daqui. Correr mundo. Conhecer povos, terras e sei eu mais o que me espera. E o que me espera, o que me rodeia, o que fui e o que serei não me mete medo.
Quero sentir o vento a bater-me no peito e ouvir o chilrear dos passarinhos que cobrem o azul do céu, dando-lhe a forma de um desenho descontinuo e sem fim. Corre de norte a sul, e a luz esverdeada que são os meus olhos – ora escura, ora mais clara – acompanha essa linha sem sentido.
Esta noite vou escolher não querer. E não querer para não ter de escolher. Agir por impulso, seja para bem ou para mal.
Fechar os olhos, serrar os dentes, armar os punhos e seja lá isso o que isso for, eu hei-de fazer. Por ser a liberdade a correr no sangue que ferve e que anseia aventura.
Sou uma criatura da noite. Mas quer olhe para a direita ou a esquerda, até mesmo em frente e por trás de mim, são mais os que são iguais a mim. Não há mal nisso, não há mal que não nos faça mais fortes e não há mal que nós queiramos fazer.
Esta noite, é tão grande esta noite, quanto mais não seja porque hei-de esconder todos os relógios que nos mostrem o tempo que corre; e hei-de fazê-los parar só por nós.
Esta noite vou esquecer-me do nome das coisas, vou dançar, correr, saltar, como uma autêntica criança, e que seja assim por eu querer que seja assim.
Vou regressar ao meu lugar, ver a luz a incendiar, ver o mar num rodopio tão sereno e tão profundo. Vou sorrir com olhar de brincadeira, vaguear em esperanças e olhar fundo nos olhos que não me julgam, mas que me ensinam como é bom viver.
Não faz sentido pois não? Dito assim desta maneira tão longínqua e sem nexo aparente? Não faz mal, sou uma criatura estranha, que deambula de noite, descalça sobre as pedras frias da calçada. Criatura que corre em direcção a sabe-se lá o quê.
Esta noite não vou querer sair do meu lugar. Nem esconder as origens que batem no coração. Vou querer sentir o cheiro a maresia, ouvir os barulhos estranhos que saem de dentro do mato. Viver a intensidade dos momentos, esperar que o sol nasça por detrás do pico mais alto da montanha e que se volte a esconder quando as badaladas mais fortes se fizerem ouvir.
Criaturas da noite. De cabelos ao vento, de cheiro apurado. De diferenças sem igual. De espírito aberto, de coração sem maldades. De liberdades entranhadas da pele. Sem olhar a confusões, sem entender confusões. E tudo faz mais sentido, e a confusão só resta para os demais.
E se tanto mais houvesse, do alto do sorriso mais bonito que abraça o peito, eu não ia querer sair daqui, assim, sem saber as histórias e os lugares, os objectos e os sons. Isto é tão bonito visto daqui, de olhos fechados e mente aberta. De braços estendidos e ouvidos postos no que é bom de se ouvir. Nunca houve igual. Nunca se foi igual a estas criaturas da noite.
Esta noite vou querer continuar a ser criatura da noite.

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