domingo, 20 de março de 2011

Salto sem rede


Transformar as palavras na nossa própria voz, é uma arte mais dificil do que propriamente se pensa. É necessário medir a quantidade certa, entre aquilo que dizemos e o que queremos escrever, para que resulte, na perfeição, aquilo que queremos transmitir. Se falarmos demais, não teremos muito mais para escrever, mas se escrevermos mais uma linha do que aquilo que é suposto, quando olhamos para o corpo diante de nós, percebemos que não temos muito mais para contar. Aí, o silêncio é constrangedor e os segundos rasgam a nossa bolha protectora e caimos na realidade que não queremos: perdemos assunto, ficamos sem meios de avançar e caimos desamparados na nossa própria rede. Perdemos o controlo da situação e isso é tudo aquilo que não queremos perder!
Quando respiramos fundo, mais uma vez, percebemos que temos uma necessidade maior de controlar aquilo que nos rodeia. Consciente ou inconscientemente, mas temos essa necessidade. No entanto, não há nada que possamos controlar, pelo menos, eternamente. Mas insistimos em não perceber e persistimos em querer controlar todos os nossos actos, todas as nossas ideias, todas as nossas certezas e indecisões, mas até elas nos controlam a nós. Continuamos agarrados à certeza de que pode acontecer tudo sobre as nossas ordens, em contrapartida, só somos responsáveis pelos nossos actos, mas, por mais vezes que tentemos remediar todas as nossas más decisões, não controlamos as consequências. Raramente correm exactamente como nós queremos e a magia está aí; está no facto de não prevermos, na totalidade, aquilo que se passará no próximo passo. Reside no pormenor de escolhermos cada passo sem saber qual o caminho que se esconde na sua base, no facto de abrirmos uma porta e não sabermos o que está para lá, na incerteza de escolhermos uma caminho e não sabermos se o seu fim é o fim que queremos.
Muitas vezes, queremos recuar e mudar o passado. Se pudessemos, agarravamos numa folha de papel e escreviamos tudo aquilo de que nos arrependemos e, como por magia, reviravamos os dados a nosso favor. Assim, estariamos sempre com um pé no presente e outro no passado; estariamos sempre a mudar o caminho que seguimos e, consequentemente, o futuro que acabará por chegar. Mudariamos as nossas escolhas e tentariamos controlar aquilo que pensamos que conseguimos controlar. O que, na nossa ideia, é basicamente tudo, mas quando tornamos a cair na realidade, percebemos que demos mais um salto em direcção ao abismo e, desta vez, como em todas as outras vezes, o salto foi sem rede, demos um passo maior que a perna e a queda foi ainda mais aparatosa.
O segredo, o nosso segredo, é não sabermos o que podemos ou não controlar. Tirando as peças fundamentais do nosso dia-a-dia, o resto é mistério. Controlamos as nossas decisões, mas pouco mais. E, por vezes, elas é que nos controlam a nós! Aquilo que nos rodeia não está ao nosso alcance e não o conseguimos mudar, mesmo que a vontade seja muito, muito, forte. Mas a nossa teimosia é permanente e tentamos alterar os factos, negar o inegável, acabando por chocar contra a nossa própria realidade irreal. E é mais um salto sem rede, onde caimos numa sensação de vazio e desespero. É por isso que medimos as palavras, calculamos os nossos actos, na esperança de conseguimos controlar um pouco mais aquilo que não conhecemos, sem percebermos que, por mais que façamos, não há nada que possamos fazer, os dados estão lançados e, mais cedo ou mais tarde, volta tudo ao normal, o nó desenlaça-se e, quando pensamos que temos tudo conforme queremos, a vida fica um caos, tal e qual uma casa em pantanas.
Tentamos controlar aquilo que não nos pertence, mas o que afecta os outros, a vontade que demonstram em querer determinado caminho, quebra todas as nossas esperanças, e mesmo que os dados rodem em nosso favor, mais tarde voltar-se-ão contra nós. Não adianta querermos mudar o passado, temos de nos afeiçoar ao presente e perceber que fizemos tudo ao nosso alcance. A partir do momento em que o jogo muda de jogador, e as decisões não estão nas nossas mãos, o nosso trabalho está feito. É por isso que entregamos o nosso coração à responsabilidade de outrem, esperando, esperançosamente, que esse alguém sinta como nós e tome as mesmas decisões que nós tomariamos se tivessemos de optar.
« A minha liberdade termina quando começa a do outro », é por isso que não nos compete a nós controlar aquilo que se espalha ao nosso redor. As decisões e o querer dos outros não mudam mesmo que nós queiramos pertencer à sua vida. Mesmo que o nosso coração peça algo mais, os actos dos que nos rodeiam, se não se quiserem enlaçar nos nossos, não há mais voltas que possamos dar para que isso aconteça.
É então que começamos a perceber que o melhor é riscar os arrependimos e aceitar tudo aquilo que fizemos, pois só nos podemos arrepender daquilo que deixamos por fazer, não daquilo a que decidimos dizer sim, e no qual depositamos tudo aquilo que nós somos. Transformar as palavras na nossa própria voz, e a voz nas nossas próprias palavras, permite-nos saber que, muitas vezes, o controlo das coisas está em não pensarmos em controlá-las, apenas deixar acontecer. Nem que para isso, tenhamos de dar muitos mais saltos sem rede, acabando por nos protegermos da queda da forma que menos nos magoa, mas só assim é que aprendemos e só assim não voltamos a repetir.
Não está em nós a decisão do que podemos ou não controlar, senão estariamos sempre a chocar entre o « eu » que somos agora e o « eu » que pensamos que é melhor, mas que, no final de contas, não somos nós. O que somos é o agora, com muitos saltos sem rede, com muitas portas por abrir, sem sabermos o que se esconde atrás delas, com muitos caminhos por pisar, sem sabermos se escondem algumas armadilhas. Mas só assim podemos crescer, sem medo de arriscar. Mas é neste exacto momento que percebemos que é muito mais que isso que está eu jogo, pois percebemos que só assim é que podemos viver aquilo que somos.

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